Publicado no Consultor Jurídico.
Por Leopoldo Stefanno Leone Louveira
Na condição de advogado militante na área criminal, gostaria de compartilhar com os demais colegas uma experiência interessante que vivi no último dia 29 de maio e que me fez raciocinar sobre sua conveniência (ou não) para a defesa de nossos clientes: a realização de audiência de interrogatório por videoconferência (ou tele-audiência). O ato se deu em uma ação penal a que responde um boliviano preso e acusado da prática do crime de porte ilegal de arma, em audiência perante a 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Guarulhos (SP).
Apesar da manifestação de repúdio e discordância em relação à tele-audiência formulado pela defesa – em razão do direito do contato pessoal entre juiz e acusado e, no caso específico, por se tratar de estrangeiro com dificuldade em compreender o idioma português – ter sido indeferido pelo juiz oficiante naquela Vara um dia antes, acompanhei o interrogatório mesmo assim.
O ato se desenrolou da seguinte forma: assim que o advogado chegou à sala especial do prédio da Justiça Federal, o funcionário já mostrou os equipamentos e indagou se o defensor gostaria de falar privativamente com o cliente (que, na hipótese em questão, estava no presídio de Itaí (SP), destinado a estrangeiros, distante 300 quilômetros da capital paulista.
Então, havia uma sala fechada contígua à da audiência, com um telefone. Era só discar um número e se podia conversar o tempo que for preciso com o cliente (que, no presídio, fica na sala sem a presença de policiais ou agentes). Aqui o primeiro detalhe: muito embora não se tenha nenhuma garantia de que o conteúdo dessa conversa esteja sendo gravado, não deixa de ser uma forma de possibilitar a ampla defesa. E convenhamos que o bom advogado já foi se entrevistar anteriormente com o cliente pessoalmente, ficando esta conversa como uma forma de tranqüilizá-lo e explicar como se dará o ato, bem como, para prestar algum último esclarecimento. Seja como for, a interceptação de tal conversa é ilícita.
Depois, disso, entrou o juiz e começou a audiência propriamente dita. A partir desse momento, tudo começou a ser gravado (vídeo e áudio). O juiz alertou sobre a possibilidade de, a qualquer tempo, o acusado falar com o advogado sem que o áudio fique ligado. Ao fazer as perguntas, o intérprete as repetia no idioma do acusado (no caso, espanhol). Ficou ligado um microfone (auto-falante para viva-voz) e também havia um telefone na mesa para facilitar a compreensão. Existiam duas telas: uma que filmava a sala de audiência e outra que filmava a sala do presídio. Tudo era digital e a qualidade de som e imagens muito boa. Era como se o acusado realmente estivesse presente.
Ao final, o juiz determinou a impressão do termo de interrogatório e fez questão que a intérprete lesse ao acusado tudo o que ficou consignado, para eventuais correções. Após feitas, a Vara Federal de Guarulhos (SP) enviou um e-mail para Itaí (SP). Lá, foi impresso o termo e, neste momento, outra câmera focalizava o acusado lendo e assinando o documento. Assinado, o termo foi digitalizado e enviado novamente para Guarulhos. Com a impressão, advogado, juiz e procurador da República também assinaram. Toda a operação demora não mais que alguns minutos.
Acabada a audiência, mais uma vez, foi dada a oportunidade de conversa privativa entre advogado e cliente. Todo o ato foi gravado, as informações foram transmitidas para um CD, o qual foi anexado aos autos, tudo para garantir à defesa – e, por que não, à acusação – eventual impugnação.
Com isso, busca-se preservar, com fidelidade, o conteúdo do que foi realmente informado pelo acusado em seu interrogatório, evitando-se manipulação ou alterações dos depoimentos como, às vezes, ocorrem em audiências ditas “reais”, quando o juiz faz constar apenas o que é interessante para a versão acusatória. O melhor de tudo é que, até pela novidade do meio, o juiz presta uma atenção a tudo. Não se tem aquela sensação de desinteresse de quem colhe a prova.
Feito esse breve e despretensioso relato, ainda tenho dúvidas sobre o impacto da tecnologia no campo do processo penal. Repetindo, muito embora nada se compare com a presença física e o contato pessoal entre juiz e acusado, a tele-audiência, pelo menos da forma como é feita, tenta reproduzir com a máxima fidelidade uma audiência real.
Tenho a impressão que será difícil escapar a esse tipo de evolução tecnológica. Fica o questionamento: se a enorme economia de dinheiro público despendido nas audiências tradicionais (gasto com gasolina, escolta etc.) compensa a flexibilização das garantias previstas no Código de Processo Penal.